quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Editora Jurua entrevista autoras do livro "Adoção por homossexuais: a familia homparental sob o olhar da psicologia Jurídica"


Pessoal, confiram a entrevista realizada pela Ed. jurua, sobre o livro "Adoção por homossexuais: a familia homparental sob o olhar da psicologia jurídica" de minha autoria e da Prof. Dra. Ana Claudia Maia!

1- Como os psicólogos podem orientar os casais homo-afetivos em relação ao tema: adoção por homossexuais ?

R: Um fator bastante citado, tanto pelos psicólogos jurídicos quanto pelos estudos na área, é o modo como as pessoas de orientação sexual homossexual lidam com sua própria sexualidade, ou seja, aceitar a própria sexualidade e conviver bem com a orientação homossexual parece ser um elemento importante. Isto porque, os estudos apontam que é muito importante que os pais/mães homossexuais tenham a tranqüilidade suficiente para ensinarem seus filhos a lidarem com possíveis comportamentos homofóbicos, dialogando com eles, refletindo sobre as dificuldades que podem surgir diante de situações preconceituosas e, sobretudo, dando-lhes segurança e afeto para que cresçam descobrindo diferentes modos de enfrentar essas situações.

2- Baseados em que argumentos ou teorias os psicólogos judiciários avaliam as condições de pessoas homossexuais que pretendem concorrer ao processo de adoção ?

R: Neste aspecto, a maioria dos psicólogos que entrevistamos, parece se embasar em diversas teorias ao mesmo tempo, não apresentando um único referencial teórico para avaliar o requerente à adoção. Alguns citam o uso de teorias específicas como a Psicanálise e Existencial-Humanista, mas em geral, os psicólogos possuem embasamento teórico bem diverso utilizado em avaliações de requerentes a adoção em geral, não somente quando se tratam de homossexuais. No entanto, no caso específico de requerentes que explicitam a orientação afetivo-sexual homossexual, o tema da homossexualidade destaca-se na avaliação dos psicólogos como uma questão importante e, a maior parte deles não apresenta argumentos e/ou teorias atuais e claras a respeito do tema, o que acaba por gerar dificuldades durante a avaliação de requerentes homossexuais. Nossa percepção é que isso decorre da falta de disciplinas específicas sobre sexualidade durante o curso de graduação na formação acadêmica em Psicologia, da falta de estudos sobre o tema da homoparentalidade no Brasil e também dos mitos e preconceitos atuais sobre a homossexualidade.

3- Esta avaliação é influenciada pela orientação sexual homossexual declarada pelos interessados na adoção ?
R: Em primeiro lugar é importante lembrar que ao entrar em um processo de adoção não há uma ficha separada para requerentes homossexuais, isto é, declarar ser homossexual não é uma necessidade pré-existente ao realizar inscrição como requerente. Na avaliação com o psicólogo jurídico, a homossexualidade pode ou não ser declarada pelo requerente, embora seja difícil para um homossexual que vive bem sua homossexualidade “esconder” propositalmente do psicólogo sua orientação sexual, pois ela faz parte de sua identidade pessoal. A influência sobre o psicólogo a respeito da declaração da orientação afetivo-sexual pode ser, tanto negativa quanto positiva. Pode ser negativa porque ao afirmar sua orientação sexual, o requerente homossexual pode se deparar com valores pessoais do psicólogo jurídico que está realizando a avaliação e, dependendo do caso, isto poderá dificultar o processo. No entanto, o fato de afirmar a orientação sexual homossexual, para muitos psicólogos jurídicos entrevistados, parece ser um fator positivo, demonstrando sinceridade e dignidade por parte do requerente no momento da avaliação, o que indicaria ser uma postura favorável.

4- Sendo uma família, casais homossexuais teriam condições de educar e cuidar adequadamente de crianças adotadas?
R: A capacidade para educar e cuidar adequadamente de uma criança não depende da orientação afetivo-sexual e sim de outras características diversas que envolvem as características pessoais, a estruturação saudável da personalidade, as relações amorosas e conjugais respeitosas, etc. das pessoas que formam o casal. Uma criança amada e acolhida em uma família pode se desenvolver adequadamente, desde que neste espaço existam, por exemplo, regras, limites, cuidados, proteção, educação e carinho, e estes fatores independem da orientação sexual dos educadores adultos. Os estudos estrangeiros apontam para a não existência de diferenças significativas de adaptação psíquica entre crianças/adolescentes filhos de pais heterossexuais ou de pais/mães homossexuais.

5- Há necessariamente riscos e danos ao desenvolvimento infantil quando os modelos de pai e mãe envolvem uma orientação sexual que não seja heterossexual?
R: Não, nada há comprovado cientificamente que crianças criadas por homossexuais são promiscuas, desajustadas social ou emocionalmente, abusadas sexualmente ou se tornem necessariamente homossexuais. Pais homossexuais ou heterossexuais podem ser adequados ou não em relação à educação e ao cuidado com os(as) filhos(as). Os modelos de gênero vão existir em muitas relações sociais da criança e ela vai compreender que vive com dois pais ou duas mães. É importante que a criança tenha presente modelos de ambos os sexos, mas não necessariamente os pais devem ser de sexos diferentes; esses modelos vêm dos contatos com pessoas de ambos os sexos que sejam significativas para ele, como por exemplo, avós, avôs, tios, tias, algum amigo importante da família, etc. A criança não terá danos em seu desenvolvimento psíquico especificamente devido ao modelo de família no qual foi educada e criada, seja este modelo homossexual, heterossexual, monoparental ou reconstruída, pois o desenvolvimento saudável tem mais a ver com a qualidade das relações estabelecidas nessas diferentes configurações de família.

6- Quais concepções podem ser desveladas no discurso de psicólogos judiciais sobre esta questão?
R: As concepções são muito variadas. Alguns psicólogos apresentam mais informações científicas sobre o tema e, portanto, mais clareza sobre o processo como um todo. No entanto, a grande parte dos psicólogos entrevistados parece ainda se ater ao modelo heterossexista de família em que cada um deve ter um papel específico na relação, masculino ou feminino. Além disso, alguns apresentam idéias sobre a homossexualidade que remetem a mitos (informações baseadas em valores sociais e senso comum), por exemplo: o mito que as pessoas homossexuais tenham tendência em serem promíscuas, o mito que a pessoa homossexual sofreria algum distúrbio físico ou emocional e por isso não conseguiriam criar uma criança, o mito de que as crianças criadas por homossexuais poderiam ser homossexuais, o mito que a criança iria sofrer muito preconceito e por isso tenderia a ser socialmente e emocionalmente desadaptada.
Acreditamos que para esclarecer esses mitos e diminuir o preconceito que cerca a questão, seria preciso divulgar os estudos científicos e as pesquisas diversas que mostram que essas concepções não são verídicas. Como a maioria dos estudos é internacional, seria importante que novos estudos fossem realizados em diferentes áreas (psicológica, jurídica, social, etc.) abrangendo as famílias homoparentais no Brasil e os processos bem sucedidos de adoção já efetivados. Isto poderá auxiliar não só os psicólogos jurídicos em suas avaliações, mas também as pessoas homossexuais que pretendam criar e educar crianças, seja por adoção ou por outros métodos.

7- Em 30 de abril de 2009, repercutiu com grande destaque na mídia o caso do nascimento das crianças Ana Luiza e Eduardo, filhos de um casal homossexual, onde, por meio de procedimento de reprodução assistida, Adriana gestou os filhos da companheira Munira. Neste caso com as autoras analisam o fato e a luta para conseguir registrar as crianças em nome das duas mães ?

R: A luta pelo registro da criança é legítima. A sociedade brasileira está enfrentando, como é uma tendência mundial, novas configurações amorosas, sexuais e, também familiares.
O modelo heterossexista vigente, inclusive juridicamente, torna muito difícil o reconhecimento de casais em que a dualidade homem/mulher não seja evidente, assim como a ideologia normativa naturalista das relações conjugais heterossexuais impede um olhar mais abrangente para as relações conjugais e familiares homoeróticas. Vivemos numa época em que se defendem os direitos humanos, a diversidade e o respeito ao outro, mas algumas mudanças ainda são lentas. A sexualidade é um aspecto que deve abranger a vida humana e social e este caso pode ser o primeiro de vários outros. Talvez daqui a um tempo este e outros temas relacionados a essas novas configurações parentais e reprodutivas deixem de ser “destaques’, por serem numerosas e rotineiras.
Pensando que a legislação brasileira relativa a crianças e adolescentes busca sempre o bem-estar destes, em primeiro lugar, não seria de se questionar o fato de que juridicamente existem algumas crianças cuja família não é reconhecida em seu país? Isto também não poderia ser sentido por elas como um preconceito? Este é um tema importante a ser refletido quando se diz que crianças criadas em famílias homoparentais sofreriam mais preconceitos.

E para finalizar, deixamos a seguinte frase de Marina Castañeda: “A homossexualidade não se limita mais aos homossexuais”, ou seja, é uma questão que envolve toda a sociedade.

CURRICULOS DAS AUTORAS:

Mariana de Oliveira Farias é Psicóloga (Unesp). Mestra em Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem pela Unesp. Pesquisadora junto ao Grupo de Estudos e Pesquisa Sexualidade, Educação e Cultura (GEPESEC/Unesp-Bauru), cadastrado no CNPq. Atualmente é docente na Instituição Toledo de Ensino (ITE) na área de Metodologia Científica, Recursos Humanos e Psicologia Jurídica. Também atua em psicologia clínica e consultoria na área educacional.

Ana Cláudia Bortolozzi Maia é Psicóloga. Doutora em Educação pela UNESP - Marília. Docente lotada no Departamento de Psicologia da Faculdade de Ciências - UNESP , campus de Bauru, ministrando aulas junto ao curso de “Formação de Psicólogos” e ao programa de pós-graduação em “Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem”. Atua como membro integrante do Núcleo de Estudos em Sexualidade (NUSEX/ UNESP - Araraquara) onde desenvolve atividades de pós-doutorado e é líder do Grupo de Estudos e Pesquisa Sexualidade, Educação e Cultura (GEPESEC/UNESP - Bauru), ambos cadastrados no CNPq.

Onde encontrar o livro?

6 comentários:

  1. Parabéns pela entrevista! Adorei! Beijos e sucesso.

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  2. Oi Silvana! Obrigada pela participação e elogio! Seja sempre bem-vinda! beijos

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  3. Oi Mari, parabéns por todo seu trabalho que venho acompanhando.
    Admiro você!

    Com carinho,

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  4. Oi Gretta! Obrigada pelas palavras de carinho!
    Beijos!

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  5. Muito boa a entrevista. Comprarei o livro. Parabens.

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  6. Olá Alice!
    Quanto mais pessoas participarem das discussões sobre o assunto, embasadas em teorias, melhor!
    um abraço,
    Mariana Farias

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